Este espaço foi criado para trocar ideias e atividades da área de Lingua e Literatura, compartilhando com os colegas experiências vividas ao longo da minha profissão.

Língua

Gosto de sentir a minha lígua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódias
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesias está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade (...)
(Caetano Veloso)

domingo, 29 de agosto de 2010

Bullying: brincadeiras que ferem

Colégio Estadual Gov. Luiz Viana Filho

Bullying: brincadeiras que ferem

Ameaças, agressões, humilhações... a escola pode se tornar um verdadeiro inferno para crianças que sofrem nas mãos de seus próprios colegas, ainda mais nos dias de hoje, em que a internet pode potencializar os efeitos devastadores do bullying. Você sabe o que é isso? Onde e como ele ocorre?

Você já ouviu falar de bullying? O termo em inglês pode causar estranhamento a muita gente, mas as atitudes agressivas intencionais e repetitivas que ridicularizam, agridem e humilham pessoas – tão comum entre crianças e jovens – é muito familiar a todos. A palavra inglesa 'bully' significa valentão, brigão. Atos como empurrar, bater, colocar apelidos ofensivos, fazer gestos ameaçadores, humilhar, rejeitar e até mesmo ameaçar sexualmente um colega dentro de uma relação desigual de poder, seja por idade, desenvolvimento físico ou relações com o grupo são classificados como bullying. O problema pode ocorrer em qualquer ambiente social – em casa, no clube, no local de trabalho etc –, mas é na escola que se manifesta com mais freqüência. (...)
O Bullying é um problema mundial, encontrado em qualquer escola, não se restringindo a um tipo específico de instituição. Esse 'fenômeno' começou a ser pesquisado há cerca de dez anos na Europa, quando se descobriu que ele estava por trás de muitas tentativas de suicídio entre adolescentes. Geralmente os pais e a escola não davam muita atenção para o fato, que acreditavam não passava de uma ofensa boba demais para ter maiores conseqüências. No entanto, por não encontrar apoio em casa, o jovem recorria a uma medida desesperada. E no Brasil a situação não é diferente.(...)
Quem já não teve um apelido ofensivo na escola? Ou mesmo sofreu na mão de um grupo de colegas que o transformava em 'bode espiatório' de brincadeiras no colégio? Exemplos não faltam. Entre alguns deles está o da gaúcha Daniele Vuoto, que conta toda a sua história em um blog onde também discute sobre o assunto e troca experiências com outras vítimas desse tipo de agressão, psicológica, física e até de assédio sexual. (...)
"O aluno alvo de bullying se culpa muito pelo que acontece, e é preciso esclarecer isso: um aluno que agride outro, na verdade, também precisa de ajuda, pois está diminuindo o outro para se sentir melhor, e certamente não é feliz com isso, por mais de demonstre o contrário. A turma entra na onda por medo, não por concordar. Enxergar a situação dessa forma pode ajudar muito", conta Daniele.
Porém, a realidade de vítimas que 'sofrem em silêncio', como Daniele explica em seu blog, está mudando. Além de atitudes como a da estudante, em que pessoas utilizam a internet para procurar ajuda e trocar experiências, o assunto vêm ganhando corpo e se tornando pauta de veículos de comunicação de massa, a exemplo das matérias veiculadas no Jornal Nacional, da Rede Globo, e em discussões como a realizada no programa Happy Hour, do canal a cabo GNT. (...)

(Disponível em: http://www.educarede.org.br/educa/index.cfm?pg=revista_educarede.especiais&id_especial=361. Acesso:22 agosto 2010)





Trabalhando com o texto

1. Como o autor define bullying?
2. Por que o termo foi utilizado em inglês?
3. Segundo o texto, esse tipo de atitude precisa ser seriamente enfrentado. Qual sua opinião?
4. Você acredita que o bullying existe na escola apenas pelo fato de que as crianças são diferentes entre si? Explique.
5. Que soluções você apontaria para o problema?
6. Em algum momento, na nossa escola, você se sente vítima de bullying? Justifique sua resposta.
7. Você conhece ou já ouviu falar de alguém na nossa escola, vítima de bullying?

Texto: papos

Colégio Esta. Gov. Luiz Viana Filho Língua Portuguesa
PAPOS


- Me disseram...
- Disseram-me.
- Hein?
- O correto e "disseram-me". Não "me disseram".
- Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é "digo-te"? - O quê?
- Digo-te que você...
- O "te" e o "você" não combinam.
- Lhe digo?
- Também não. O que você ia me dizer?
- Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a
cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?
- Partir-te a cara.
- Pois é. Parti-la hei de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
- É para o seu bem.
- Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender.
Mais uma correção e eu...
- O quê?
- O mato.
- Que mato?
- Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem?
- Pois esqueça-o e pára-te. Pronome no lugar certo e elitismo!
- Se você prefere falar errado...
- Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou
entenderem-me?
- No caso... não sei.
- Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes-lo não?
- Esquece.
- Não. Como "esquece"? Você prefere falar errado? E o certo é "esquece" ou
"esqueça"? Ilumine-me. Me diga. Ensines-lo-me, vamos.
- Depende.
- Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-lo-ias se o soubesses, mas não
sabes-o.
- Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.
- Agradeço-lhe a permissão para falar errado que mas dás. Mas não posso
mais dizer-lo-te o que dizer-te-ia.
- Por que?
- Porque, com todo este papo, esqueci-lo.

Luis Fernando Verissimo



1. O que dá início à discussão entre as personagens?


2. Por que a forma lhe digo também não foi aprovada?


3. A forma matar-lhe-ei-te não existe em português. Pesquise por que e surgira uma nova forma.


4. Muitas vezes a posição do pronome é determinada de acordo com o que soa mais agradável. Esse critério chama-se “eufonia”. De acordo com ele, reescreva a oração Vê se esquece-me.


5. Qual é o argumento que uma personagem usa para corrigir a outra?

Literatura:Modernismo

Colégio Estadual Gov. Luiz Viana Filho

O capoeira

— Qué apanhá sordado?

— O quê?

— Qué apanhá?

Pernas e cabeças na calçada.

Oswald de Andrade

1. No poema acima, a oralidade, o humor e a velocidade fotográfica da cena retratada são elementos típicos da poética revolucionária em que se empenhou o autor de

a) Os escravos. b) A bagaceira. c) Pau-Brasil. d) Os sertões. e) A luta corporal.

2. Estão presentes no poema de Oswald de Andrade, os seguintes recursos de sua poética:

a) instantâneo da realidade e transcrição de fala.

b) paródia de poema romântico e lirismo contido.

c) transcrição de fala e lirismo contido.

d) ironia melancólica e instantâneo da realidade.

e) humor irônico e paródia do parnasianismo.

texto: A descoberta do mundo

A descoberta do mundo

O que eu quero contar é tão delicado é tão delicado quanto a própria vida. E eu queria poder usar delicadeza que também tenho em mim, ao lado da grossura de camponesa que é o que me salva.
Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em aprender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce , estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo aliás atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.
Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. Ou será que eu adivinhava mas turvava minha possibilidade de lucidez para poder, sem me escandalizar comigo mesmo, continuar em inocência a me enfeitar para os meninos? Enfeitar-me aos onze anos de idade consistia em lavar o rosto tantas vezes até que a pele esticada brilhasse. Eu me sentia pronta, então. Seria minha ignorância um modo sonso e inconsciente de me manter ingênua para poder continuar, sem culpa, a pensar nos meninos? Acredito que sim. Porque eu sempre soube coisas que nem eu mesma sei que sei.
As minhas colegas de ginásio sabiam de tudo e inclusive contavam anedotas a respeito. Eu não entendia mas fingia compreender para que elas não me desprezassem e à minha ignorância.
Enquanto isso, sem saber da realidade, continuava por puro instinto a flertar com os meninos que me agradavam, a pensar neles. Meu instinto precedera a minha inteligência.
Até que um dia, já passados os treze anos, como se só então eu me sentisse madura para receber alguma realidade que me chocasse, contei a uma amiga íntima o meu segredo: que eu era ignorante e fingira de sabida. Ela mal acreditou, tão bem eu havia fingido. Mas terminou sentindo minha sinceridade e ela própria encarregou-se ali mesmo na esquina de me esclarecer o mistério da vida. Só que também ela era um amenina e não soube falar de um modo que não ferisse a minha sensibilidade de então. Fiquei paralisada olhando para ela, misturando perplexidade, terror, indignação, inocência mortalmente ferida. Mentalmente eu gaguejava: mas por quê? Mas por quê? O choque foi tão grande – e por uns meses traumatizante – que ali mesmo na esquina jurei alto que nunca iria me casar.
Embora meses depois esquecesse o juramento e continuasse com meus pequenos namoros.
Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez.
Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amo. Esse adulto saberia como lidar com uma alma infantil sem martirizá-la com a surpresa, sem obrigá-la a ter toda sozinha que se refazer para de novo aceitar a vida e os seus mistérios.
Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continua intacto. Embora eu saiba que de uma planta brotar um flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.
( Clarice Lispector. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro, Rocco. p. 113-115)
I- Compreensão e Interpretação de Texto

1.Como a narradora faz sua própria descrição? ____________________________________________________________________________________________________________________________
2.Por que o título do texto é “A descoberta do mundo”? Explique?
________________________________________________________________ ________________________________________________________________
3. De acordo com o contexto em que está inserido, a que a narradora-personagem se refere quando menciona “os fatos da vida”?
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4. Leia as frases abaixo retiradas do texto “A descoberta do mundo”, observando as palavras em destaque, depois assinale a alternativa que contenha, respectivamente, os sinônimos.

I – Fui precoce em muitas coisas.
II – Meu instinto precedera a minha inteligência.
III – O mais surpreendente é que, mesmo depois de saber tudo, o mistério continuou intacto.
IV – Seria minha Ignorância em modo sonso de me manter ingênua?

a) atrasada/adiantou/insuportável/ dissimulado/compreensível.
b) adiantada/ surgiu depois/admirável/ fantástico/inteiro/atrevido.
c) prematura/surgiu antes/admirável/inteiro/dissimulado (x)
d) nenhuma das alternativas

5. Retire do texto duas locuções adverbiais, depois dê as circunstâncias que elas indicam.
________________________________________________________________________

6. Preencha o quadro com as informações pedidas sobre os verbos retirados do texto:

Verbo Infinitivo Conjugação Pessoa Número Tempo Modo
Quero
Estava
Chamam

7. Marque a alternativa em que todas as palavras estejam grafadas de acordo com as novas regras ortográficas.

a) guarda-chuva/ para-quedas/ manda-chuva/ couve-flor
b) guarda-chuva/ paraquedas/ mandachuva/ couve-flo (x)
c) anti-inflamatório/ microônibus/ mal-criado/ autorretrato.
d) anti-inflamatório/ micro-ônibus/ mal-criado / auto-retrato
e)Maria-mole/ arco-íris/ microônibus/ autorretrato]

8. Leia a frase a seguir, depois reescreva passando para o futuro do subjuntivo:
“ ... populações inteiras abandonaram suas aldeias e cidadezinhas...”
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Texto: o baile

O baile

Levei um monte de tempo me vestindo. Não tinha roupa que servisse. Não gosto de festas, bailes menos ainda. A Morecy faz 13 anos. Eu não sei que roupa a gente tem que pôr quando a melhor amiga da gente faz 13 anos. Pra falar a verdade, preferia te pego uma gripe e curtido febre na cama. Não pus o vestido verde porque fico com cara de defunto. O amarelo ficou dançando, acho que emagreci. Como sempre, acabei indo com o xadrezinho, que é meio manjado, mas me sinto bem.

Não consegui entrar em acordo com a minha cara no espelho. Não gosto do meu cabelo liso e muito fino. Nem da minha cara sem pó de arroz. Mas também de pó de arroz não fico bem.

Acho que levei umas duas horas me aprontando. Cheguei tarde, todo mundo já estava lá. Tinha luz negra, um montão de gente dançando e eu encabulei vendo o Luiz do outro lado do salão, conversando com os amigos.

Fiquei de pé também, falando com Maria Luíza, aquela bem alta que todo mundo tia sempre pra dançar porque é linda, parece Dominique Sanda. Pegamos uns copos com guaraná e ficamos bebendo, enquanto ela me contava a briga que tinha tido com a D. Rita. Depois nós fomos dançar sozinhas mesmo. E na quarta música o Luiz veio falar comigo.

Foi daí que a gente saiu pro terraço e ele perguntou se eu gostava mesmo dele. Disse que sim. E é verdade, eu gosto um pouco dele. Então ele disse que se eu gostava mesmo era pra eu dar um beijo nele. Eu dei, no rosto. Ele disse que ali não valia, tinha que ser na boca. Ele falava e sorria, mas eu percebi que ele estava um pouco sem jeito, porque toda hora olhava pros lados, pra ver se não vinha ninguém.

Daí ele pegou na minha mão e depois me abraçou e ficou falando que gostava muito de mim, que eu tinha um cabelo bem macio, e eu pensei que poderia ser macio, mas era fino e liso demais. Daí ele disse que não gostava de menina que usava pintura, que ficava com cara de palhaço e que eu era bem natural. Foi bem essa palavra que ele usou: natural. Achei engraçado falar assim, mas também achei legal ele falar desse jeito. Aí ele foi chegando, me beijando o cabelo, a testa, descendo pelo nariz e eu deixando porque vinha subindo em mim um calor gostoso, uma espécie de moleza que eu nunca tinha sentido antes...

(Mirna Pinsky. Iniciação. Belo Horizonte, Comunicação, 1980)

I – Compreensão e Interpretação do Texto

1. Quem é a principal personagem do texto? Dê duas características dela.

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2. Como essa personagem se sente em relação à festa?

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3. Por que a narradora demora “umas duas horas” para se arrumar para a festa?

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4. Marque a alternativa correta em relação ao(s) sentimento(s) que a narradora precisou vencer para ir ao baile.

I – Medo II – Angústia III – Pânico IV – Insegurança V – Euforia

a) Apenas a I está correta.

b) Apenas a II e III estão corretas.

c) Apenas A I e IV estão corretas.

d) Apenas a II e V estão corretas.

e) Todas as alternativas estão corretas.

5. Muitas vezes o texto nos dá pista do tempo e do espaço da narração. Em sua opinião em que época este tipo de “paquera” ocorreu? Justifique sua resposta com elementos do texto.

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II – Análise Linguística:

  1. Assinale a alternativa que contenham sublinhados, apenas, os determinantes do substantivo em negrito:

a) “Não consegui entrar em acordo com a minha cara no espelho.”

b) “Daí ele pegou na minha mão...”

c) “Não gosto do meu cabelo liso e muito fino”. (x)

d) Nenhuma alternativa anterior.

  1. Leia as frases abaixo, depois classifique os pronomes grifados:

a) “ Achei engraçado falar assim, mas também achei legal ele fala desse jeito.”

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  1. Volte à questão anterior e responda:

a) Os pronomes destacados são do tipo que acompanham ou substituem os substantivos?

ELE ____________________________ DESSE ______________________

b) Quais são os substantivos que eles estão acompanhando ou substituindo? Se necessário volte ao texto “ O baile”.

ELE _____________________________ DESSE ______________________

  1. Marque a alternativa que contenha erro em relação à formação do plural dos substantivos compostos e, em seguida, faça as devidas correções:

a) Guarda-roupas, couves-flores, almas-gêmeas.

b) Guardas-roupa, couve-flores, alma-gêmeas.(x)

c) Guarda-chuvas, águas-de-colônia, palavras-chave.

d) Amores-perfeitos, guarda-roupas, almas-gêmeas.

Correção: ___________________________________________________________

  1. Leia:

Chico Bento: Ó pai!num conta mais história pre’eu drumi!

Pai : Pru que, fiu?

Chico Bento: Eu sempre acabo drumindo na metade! Fico sem sabe dos fim.

No final do diálogo, Chico Bento utilizou um substantivo, mas não fez a flexão de acordo com a norma culta, qual foi ele? Reescreva-o fazendo a alteração necessária.

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domingo, 15 de agosto de 2010

Texto de Rosana Jatobá

Recebi este texto por e-mail e gostaria de compartilhar com todos vocês.

Era o admirável mundo novo! Recém-chegada de Salvador, vinha a convite de uma emissora de TV, para a qual já trabalhava como repórter. Solícitos, os colegas da redação paulistana se empenhavam em promover e indicar os melhores programas de lazer e cultura, onde eu abastecia a alma de prazer e o intelecto de novos conhecimentos.
Era o admirável mundo civilizado! Mentes abertas com alto nível de educação formal. No entanto, logo percebi o ruído no discurso:
- Recomendo um passeio pelo nosso "Central Park", disse um repórter. Mas evite ir ao Ibirapuera nos domingos, porque é uma baianada só!
-Então estarei em casa, repliquei ironicamente.
-Ai, desculpa, não quis te ofender. É força de expressão. Tô falando de um tipo de gente.
-A gente que ajudou a construir as ruas e pontes, e a levantar os prédios da capital paulista?
-Sim, quer dizer, não! Me refiro às pessoas mal-educadas, que falam alto e fazem "farofa" no parque.
-Desculpe, mas outro dia vi um paulistano que, silenciosamente, abriu a janela do carro e atirou uma caixa de sapatos.
-Não me leve a mal, não tenho preconceitos contra os baianos. Aliás, adoro a sua terra, seu jeito de falar....
De fato, percebo que não existe a intenção de magoar. São palavras ou expressões que , de tão arraigadas, passam despercebidas, mas carregam o flagelo do preconceito. Preconceito velado, o que é pior, porque não mostra a cara, não se assume como tal. Difícil combater um inimigo disfarçado.
Descobri que no Rio de Janeiro, a pecha recai sobre os "Paraíba", que, aliás, podem ser qualquer nordestino. Com ou sem a "Cabeça chata", outra denominação usada no Sudeste para quem nasce no Nordeste.
Na Bahia, a herança escravocrata até hoje reproduz gestos e palavras que segregam. Já testemunhei pessoas esfregando o dedo indicador no braço, para se referir a um negro, como se a cor do sujeito explicasse uma atitude censurável.
Numa das conversas que tive com a jornalista Miriam Leitão, ela comentava:
-O Brasil gosta de se imaginar como uma democracia racial, mas isso é uma ilusão. Nós temos uma marcha de carnaval, feita há 40 anos, cantada até hoje. E ela é terrível. Os brancos nunca pensam no que estão cantando. A letra diz o seguinte:
"O teu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, quero o teu amor".
"É ofensivo", diz Miriam. Como a cor de alguém poderia contaminar, como se fosse doença? E as pessoas nunca percebem.
A expressão "pé na cozinha", para designar a ascendência africana, é a mais comum de todas, e também dita sem o menor constragimento. É o retorno à mentalidade escravocrata, reproduzindo as mazelas da senzala.
O cronista Rubem Alves publicou esta semana na Folha de São Paulo um artigo no qual ressalta:
"Palavras não são inocentes, elas são armas que os poderosos usam para ferir e dominar os fracos. Os brancos norte-americanos inventaram a palavra 'niger' para humilhar os negros. Criaram uma brincadeira que tinha um versinho assim:
'Eeny, meeny, miny, moe, catch a niger by the toe'...que quer dizer, agarre um crioulo pelo dedão do pé (aqui no Brasil, quando se quer diminuir um negro, usa-se a palavra crioulo).
Em denúncia a esse uso ofensivo da palavra , os negros cunharam o slogan 'black is beautiful'. Daí surgiu a linguagem politicamente correta. A regra fundamental dessa linguagem é nunca usar uma palavra que humilhe, discrimine ou zombe de alguém".
Será que na era Obama vão inventar "Pé na Presidência", para se referir aos negros e mulatos americanos de hoje?
A origem social é outro fator que gera comentários tidos como "inofensivos" , mas cruéis. A Nação que deveria se orgulhar de sua mobilidade social, é a mesma que o picha o próprio Presidente de torneiro mecânico, semi-analfabeto. Com relação aos empregados domésticos, já cheguei a ouvir:
- A minha "criadagem" não entra pelo elevador social !
E a complacência com relação aos chamamentos, insultos, por vezes humilhantes, dirigidos aos homossexuais ? Os termos bicha, bichona, frutinha, biba, "viado", maricona, boiola e uma infinidade de apelidos, despertam risadas. Quem se importa com o potencial ofensivo?
Mulher é rainha no dia oito de março. Quando se atreve a encarar o trânsito, e desagrada o código masculino, ouve frequentemente:
- Só podia ser mulher! Ei, dona Maria, seu lugar é no tanque!
Dependendo do tom do cabelo, demonstrações de desinformação ou falta de inteligência, são imediatamente imputadas a um certo tipo feminino:
-Só podia ser loira!
Se a forma de administrar o próprio dinheiro é poupar muito e gastar pouco:
- Só podia ser judeu!
A mesma superficialidade em abordar as características de um povo se aplica aos árabes. Aqui, todos eles viram turcos. Quem acumula quilos extras é motivo de chacota do tipo: rolha de poço, polpeta, almôndega, baleia ...
Gosto muito do provérbio bíblico, legado do Cristianismo: "O mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem".
Invoco também a doutrina da Física Quântica, que confere às palavras o poder de ratificar ou transformar a realidade. São partículas de energia tecendo as teias do comportamento humano.
A liberdade de escolha e a tolerância das diferenças resumem o Princípio da Igualdade, sem o qual nenhuma sociedade pode ser Sustentável.
O preconceito nas entrelinhas é perigoso, porque , em doses homeopáticas, reforça os estigmas e aprofunda os abismos entre os cidadãos. Revela a ignorancia e alimenta o monstro da maldade.
Até que um dia um trabalhador perde o emprego, se torna um alcóolatra, passa a viver nas ruas e amanhece carbonizado:
-Só podia ser mendigo!
No outro dia, o motim toma conta da prisão, a polícia invade, mata 111 detentos, e nem a canção do Caetano Veloso é capaz de comover:
-Só podia ser bandido!
Somos nós os responsáveis pela construção do ideal de civilidade aqui em São Paulo, no Rio, na Bahia, em qualquer lugar do mundo. É a consciência do valor de cada pessoa que eleva a raça humana e aflora o que temos de melhor para dizer uns aos outros.
PS: Fui ao Ibirapuera num domingo e encontrei vários conterrâneos. ..
Rosana Jatobá
Rosana Jatobá é jornalista, graduada em Direito e Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, e mestranda em gestão e tecnologias ambientais da Universidade de São Paulo. Também apresenta a Previsão do Tempo no Jornal Nacional, da Rede Globo.
Esse texto é parte da série de crônicas sobre Sustentabilidade publicada na CBN Rosana Jatobá